Quando a pandemia e toda essa situação dramática passar, como será o novo mundo?
Essa questão vem suscitando boas reflexões. E queremos dividir com você um pouco do olhar de produtores, distribuidores e especialistas em orgânicos com quem tivemos o prazer de falar durante a edição dessa Revista da Toca. Nessa troca de ideias, tentamos antever o que podemos esperar de nosso segmento pós-COVID19.
O fato é que desde o início da pandemia, a procura por alimentos orgânicos disparou no mundo inteiro. Um recente estudo da Ecovia Intelligence (acesse o resumo por aqui) aponta um crescimento sem precedentes na demanda em vários países da Europa, Ásia e também nos EUA, chegando a até 40% em relação a períodos pré-coronavírus.
Essa alta, de acordo com a pesquisa, deve-se à maior consciência dos consumidores quanto à associação entre nutrição e saúde. Para fortalecer seu sistema imune, estão agora dando preferência a alimentos naturais e orgânicos.
O que essa conclusão aponta, portanto, é que a nossa relação com a alimentação, está no limiar de uma mudança significativa.
“Essa crise impacta de maneira profunda os nossos hábitos e nos faz repensar o caminho do alimento e o que colocamos para dentro do nosso corpo. As pessoas estão olhando mais para a saúde, comendo mais em casa e atentas em relação ao que comem” diz Tomás Abrahão, CEO da Raizs, empresa que conecta o pequeno produtor de orgânicos à mesa dos consumidores nos grandes centros urbanos.
Tomás Abrahão, CEO da Raizs
Nos últimos anos, a Raizs vem registrando um crescimento de mais de de 25% e agora as vendas de cestas orgânicas se acentuaram, ele acrescenta.
Uma relação mais humana com o alimento
“A alimentação é um ato político”. Essa é uma afirmação central nas discussões sobre o sistema alimentar. De fato, o que colocamos em nosso prato impacta na biodiversidade, na agricultura, na economia, na cultura, enfim, praticamente em todos os âmbitos da atividade humana.
E a produção orgânica busca justamente trazer impacto positivo ao promover uma relação de respeito com a natureza, com os animais e com todas as pessoas envolvidas no processo produtivo.
“O poder do consumo dita tendências. A questão agora é quem está produzindo, como o alimento está sendo produzido, quais são os processos e se há respeito pelas pessoas e pela terra. Então a mudança mais importante é em direção a uma alimentação mais profunda, que possa avançar no lado humano da cadeia produtiva”, acrescenta Tomás.
Essa visão também é compartilhada por produtores e por quem vive o dia a dia no campo.
Flávia Altenfelder Santos, sócia-fundadora da Malabar Orgânica, localizada em Itatiba e que se dedica à produção e entrega de alimentos orgânicos, considera esse um momento propício à chegada de um novo paradigma na produção e consumo de alimentos.
“Nesse momento em que as pessoas estão mais sensibilizadas e abertas, o solo está fértil e as condições são propícias para germinar esse broto da mudança. Que venha para ficar e que a gente possa construir os alicerces dessa transformação”, afirma.
Flávia Altenfelder Santos, sócia-fundadora da Malabar Orgânica
Hoje, vivemos mudanças forçadas, abruptas e que impõem muitos sacrifícios. Mas as crises, felizmente, chegam ao seu fim. E quando chegar o fim desta, novos caminhos também devem se consolidar.
Cadeias produtivas mais curtas
No setor de orgânicos, um desses caminhos deve ser o de encurtamento das cadeias produtivas. Modelos alternativos de distribuição de alimentos, como entrega de cestas orgânicas e CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura) devem ganhar força. Essa é a avaliação de Cobi Cruz, diretor-executivo da Organis (Associação de Promoção da Produção Orgânica e Sustentável).
Hoje, como demonstra pesquisa Organis 2019-2020, supermercados e hipermercados são os locais onde mais se consome orgânicos. “O grande varejo continuará a ter um papel muito importante no segmento de orgânicas, mas outras frentes, como CSA, compras online e feiras orgânicas devem ganhar espaço”, aponta Cobi.
Nesse sentido, para ele, o Brasil pode se assemelhar mais a alguns mercados desenvolvidos, como os Estados Unidos, por exemplo, em que os modelos de negócios de cadeias mais curtas já são bem avançados. (Aqui, abrimos um parêntesis para uma dica. O Food Tank, uma organização internacional que busca fomentar mudanças no sistema alimentar global, tem um canal de podcasts que vem justamente discutindo a reinvenção do modelo de produção e distribuição de alimentos. Ajuda bastante a entender essas tendências das quais estamos falando aqui.)
Uma rápida reinvenção
Com o fechamento súbito de bares, restaurantes e escolas na quarentena, o receio de produtores orgânicos era perder seus canais de escoamento e sobrar com um volume de excedentes, ou seja, alimento desperdiçado e falta de renda.
Rafael Duckur, produtor rural e um dos idealizadores da Pertim
Por conta disso, surgiram rapidamente ações de solidariedade com o objetivo de unir duas pontas frágeis: de um lado famílias em situação de vulnerabilidade ou com pessoas em grupo de risco que estavam na linha de frente da pandemia; e de outro lado produtores orgânicos que poderiam ficar na mão, sem ter para quem vender.
Uma dessas iniciativas nós temos a honra de apoiar desde o primeiro momento. É a Pertim https://www.pertim.org/, que compra alimentos direto do produtor, monta cestas e as entrega gratuitamente a famílias que mais precisam em São Paulo.
Mas a premissa inicial se mostrou apenas metade verdadeira porque, diferentemente do que se imaginava, os produtores não sofreram o “baque da falta de escoamento”, como diz Rafael Duckur, um dos idealizadores da Pertim.
“As pessoas estão ficando mais em casa e cozinhando mais. E essa é a grande reinvenção: a compra direto do produtor, a valorização do produto local e do entendimentos das cadeias curtas”, afirma.
Flávia Altenfelder, que também faz parte da Pertim conta que conversou com muitos produtores no começo da crise para entender como estavam passando. E, para a sua surpresa, a produção estava a todo vapor porque o movimento de entregas porta a porta girou muito rapidamente. “E a inteligência logística para realocar a produção para outro canal de escoamento trouxe uma resposta muito rápida”, diz ela.
Além do consumo propriamente, as iniciativas solidárias, como a Pertim, também puxaram essa demanda, levando alimento orgânico para lugares onde não costumavam chegar, como comunidades e periferias de grandes cidades.
Um mundo mais orgânico está por vir. “Que venha para ficar”, como diz a Flávia Altenfelder.
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