Área de sistema agroflorestal em larga escala desenvolvido na Fazenda da Toca
Um conhecimento ancestral que ganha cada vez mais consistência como uma ciência agrícola capaz de endereçar alguns dos principais problemas socioambientais da atualidade, como o aquecimento global, a perda da biodiversidade e a segurança alimentar. Esse é o contexto atual dos sistemas agroflorestais (SAFs).
Há indícios milenares de agroflorestas que datam do Império Romano e teses arqueológicas que apontam a existência do manejo agroflorestal juntamente com o advento da Revolução Agrícola, quando os caçadores-coletores começaram a plantar as primeiras culturas na sombra das copas de árvores há mais de 12.000 anos.
E, de cerca de duas décadas para cá, os sistemas agroflorestais vêm ganhando impulso. Hoje, várias instituições e universidades no mundo inteiro dedicam-se ao estudo, pesquisa e educação voltados para essa modalidade de agricultura regenerativa.
É nesse cenário que acontece o IV Congresso Mundial de Agrofloresta, em Montpellier, na França, de 20 a 22 de maio, com importantes nomes do ramo em todo o mundo. São esperados mais de mil delegados no evento, entre pesquisadores, acadêmicos, produtores, autoridades públicas e estudantes.
E o trabalho de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da Fazenda da Toca será um dos destaques. O esforço de sistematização de conhecimento, uso de indicadores científicos para mensurar resultados, implementação de métodos e processos e desenvolvimento de tecnologias voltadas para a larga escala sempre foram prioridade na Fazenda e agora estão no foco da Rizoma, que tem também Pedro Paulo Diniz como sócio-fundador.
Durante o Congresso, serão apresentados dois estudos de caso desenvolvidos pelos engenheiros florestais Valter Ziantoni e Paula Costa, que integraram a área de P&D da Fazenda e são fundadores da PRETATERRA , que difunde conhecimento e implementa agroflorestas em várias partes do Brasil e do mundo.
Eles irão mostrar cases de caráter técnico que lançam luz sobre um aspecto crucial dos SAFs: a ciclagem de nutrientes a partir da decomposição da matéria seca proveniente da geração de biomassa das podas das árvores e roçadas das gramíneas. Esse processo estimula a regeneração do solo, promovendo a microvida e, consequentemente, devolvendo a sua fertilidade com um manejo totalmente natural.
Custo e quantificação da biomassa de espécies de serviço.
Transformação de um solo arenoso e pobre em matéria orgânica (esquerda) para uma terra extremamente fértil e rica em nutrientes (direita) a partir do manejo agroflorestal
O paper “Service species biomass cost and quantification for self-sustainable syntropic agroforestry in Fazenda da Toca, Brazil” (Custo e quantificação da biomassa de espécies de serviço para autossuficiência de agrofloresta sintrópica na Fazenda da Toca, Brasil), tem como foco permitir uma compreensão exata do potencial de geração de biomassa das chamadas “espécies de serviço”, como os capins, as bananeiras e os eucaliptos, assim chamadas porque são resilientes, resistem bem às podas, tem rápido crescimento e, dessa forma, prestam bem o serviço ecossistêmico de formar serapilheira e dinamizar a ciclagem de nutrientes.
“Normalmente, essas espécies crescem rapidamente, expandem suas raízes no solo, captam nutrientes e produzem muita biomassa. Quando são periodicamente manejadas, disponibilizam nutrientes ao decompor, além de prover serviços ecossistêmicos fundamentais para a recuperação da saúde do solo, como aumento do carbono húmico, proteção física e redução drástica da erosão, além de acelerar imensamente a microvida do solo”, afirma Valter.
Essas culturas são introduzidas no design agroflorestal não com foco comercial, mas primordialmente com o objetivo de tornar o sistema mais autossustentável e menos dependente de fertilizantes externos, diminuindo assim os custos de produção.
“Nos sistemas agroflorestais adotados pela Toca, um dos mais importantes princípios regenerativos é a produção de biomassa para manejo e ciclagem de nutrientes dentro da própria área produtiva, visando a redução de insumos externos. Contudo, o uso desse princípio havia sido experimentado em diversos sistemas em menor escala ou de subsistência. Nestas outras experiências, não havia clareza de operacionalização, tempos, custos e principalmente dados técnicos das práticas associadas a esse princípio”, diz Paula.
Valter e Paula calcularam a quantidade e o custo da produção da biomassa no sistema, medindo a área de ocupação da espécie de serviço (área não produtiva) para avaliar o custo-benefício das diferentes espécies em diferentes quantidades.
Com o cálculo dos valores reais da produção de matéria seca no sistema agroflorestal foi possível entender que, ao longo do ano, os manejos agroflorestais disponibilizavam mais que o dobro de biomassa do que a própria floresta do bioma na qual a Fazenda da Toca se encontra.
E a principal conclusão é de que a aceleração de processos ecológicos resultantes do manejo agroflorestal proporciona sistemas que fixam mais carbono, ciclam mais nutrientes e formam mais solo do que a própria floresta.
De fato, na Toca, áreas com solo de mais de 95% de areia, se tornaram produtivas graças ao aumento da quantidade de matéria orgânica, a agregação de carbono húmico, resultando no incremento da fertilidade desse solo.
Poda apical do eucalipto
Esse é um dos manejos mais usuais para a geração de alto volume de biomassa no sistema.
No paper entitulado “Plan-Do-Chack-Act (PDCA) cost reduction method in apical pruning operations for eucalyptus biomass production, in Brazil” (Método PDCA para redução de custos da operação de poda apical de eucalipto para produção de biomassa no Brasil), Paula e Valter definiram o procedimento operacional padrão para esse manejo e, ao longo do processo de medições, inferiram melhorias contínuas focando na redução dos custos de manejo.
Esse trabalho de pesquisa permitiu um entendimento mais claro do real custo dessa operação de manejo em uma agrofloresta em larga escala. E também lançou a base de novos parâmetros de referência para a construção de designs agroflorestais mais assertivos e para a tomada de decisão do investidor com embasamento técnico.
Os dois cases se complementam e começam a traçar um novo padrão, seja em pesquisas aplicadas, seja em processos de sistematização do que hoje chamamos de agrofloresta regenerativa.
Além dos processos de manejo, há ainda um longo caminho para entender os valores nutricionais da biomassa produzida e para equacionar e precificar valores monetários para os nutrientes presentes em cada planta de serviço manejada.
Mas esses dados são fundamentais para modelar economicamente sistemas agroflorestais regenerativos e compará-los com modelos convencionais e fazer da agrofloresta um verdadeiro plano de negócio, uma possibilidade de investimento para o agricultor.
Só será possível o desenvolvimento de maquinário especifico para o manejo de agroflorestas quando os manejos estiverem sistematizados, testados, comprovados e devidamente definidos. As informações encontradas e compartilhadas nos trabalhos científicos a serem apresentados na França são pioneiros e norteiam os próximos passos para o aprofundamento dos estudos em busca da complexificação de sistemas produtivos regenerativos e biodiversos.
Veja a íntegra dos estudos
Aqui na Toca nós compartilhamos as informações científicas e os dados provenientes de nossas pesquisas.
Se você quiser conhecer a fundo o trabalho que será apresentado, disponibilizamos na íntegra, em inglês, pelos links abaixo: