Um dos pontos altos para quem visita a Fazenda da Toca é a nossa horta agroflorestal. Nessa área de 0,6 hectare sai cerca de uma tonelada de alimentos por mês, entre frutas, legumes e verduras 100% orgânicas que abastecem o nosso restaurante interno e são também vendidas na Feira Orgânica de São Carlos e para moradores e funcionários da Fazenda.
A engenheira agrônoma Maridélia Rios Gonzaga é a nossa parceira responsável pela operação da horta que, além de produzir uma vasta variedade de alimentos, é a nossa principal sala de aula. É nesse espaço que acontece uma boa parte dos nossos cursos de agrofloresta, além de diversas vivências, visitas e o programa de aprendizes que promovemos aqui.
Com tanta abundância e biodiversidade, esse espaço reúne todos os conceitos e princípios do manejo agroflorestal: solo sempre coberto para permitir a ciclagem de nutrientes, linhas de árvores para podas e geração de biomassa, além de diversidade de espécies nos canteiros, por meio de consórcios que levam em conta o espaçamento, a sucessão natural e a estratificação das plantas.
“Fazer agrofloresta é compreender a natureza, contemplá-la e trazer os seus princípios para a agricultura. A intenção é aproximar a agricultura da natureza. E nesse processo, o ser-humano é o fator dinamizador”, afirma Maridélia.
Aqui, com a ajuda didática da nossa parceira, queremos te contar um pouco sobre cada um desses princípios e como você pode iniciar a sua própria horta.
A implantação
1º Passo – O desenho agroflorestal
Esse esquema representa os módulos da horta agroflorestal aqui da Fazenda. Cada módulo é formado por duas linhas de árvores e hortaliças nas extremidades e três canteiros de hortaliças entre elas. No espaçamento que usamos, cada canteiro tem 80 cm de largura e cerca de 20 metros de comprimento. Entre os canteiros, estão os caminhos, cada um com 40 cm de largura. Esse desenho deve representar o consórcio de plantas do seu sistema agroflorestal, como veremos a seguir.
Consórcios
Diferentemente de uma horta comum, numa horta agroflorestal não há monocultura. Isso significa que você vê vários tipos de hortaliças ocupando um mesmo canteiro. Mas como decidir o que deve ser plantado e em qual espaçamento? Aí entra a noção de consórcio, que é a arte de combinar as plantas no espaço e no tempo. E os consórcios devem respeitar alguns fundamentos:
– Sucessão Natural – Na natureza, as diferentes espécies crescem juntas. É preciso entender o ciclo de cada uma para decidir o que plantar em um mesmo espaço de forma a que uma ajude a outra a se desenvolver e não haja competição entre elas. Temos culturas de ciclo rápido (alface, rúcula, rabanete, chicória, repolho verde, brócolis ninja), médio (batata doce, brócolis ramoso, berinjela, quiabo) e longo (mandioca, gengibre, alho, morango, bata yacon). Conhecer a sucessão natural é importante para aproveitar melhor os espaçamentos e evitar que as espécies atrapalhem umas às outras. E há uma vantagem adicional no aproveitamento dos espaços. Dando um exemplo prático, em um canteiro onde seria plantado apenas brócolis, na nossa horta podemos plantar também alface, rúcula e rabanete, que serão colhidos antes de o brócolis ocupar o espaço
– Estratificação – A estratificação é a “arte de colher o sol”. Cada espécie precisa de uma determinada quantidade de luz para se desenvolver. Essa necessidade leva a uma organização da floresta de forma a que as plantas ocupem ‘andares’ ou estratos verticais para receber mais ou menos luz solar. Há aquelas que preferem mais sombra e por isso se posicionam nos estratos mais baixos. E outras que gostam do sol direto e ocupam os estratos altos. Para fins didáticos, os estratos podem ser divididos entre emergente, alto, médio e baixo. Ao compreender a necessidade das espécies, tomamos decisões mais acertadas sobre o espaçamento entre elas e como organizá-las no canteiro. Numa linha de árvores, a exemplo do que se faz em nossa horta, recomenda-se combinar árvores de estratos diferentes, como eucalipto (emergente), gliricidia (alto) banana prata (médio), café (baixo), por exemplo, para planejar seu sistema agroflorestal.
2º Passo – Análise do Solo
Uma providência fundamental é a análise de solo da área para verificar quais são as suas necessidades de nutrientes. Para isso, é preciso dividir seu talhão (a área do seu plantio) e fazer um traçado em zigue-zague para coletar diversas porções de solo numa profundidade de 0 a 20 cm. Essas porções deverão ser misturadas em um recipiente ou balde, formando assim uma amostra que será encaminhada para um laboratório. Com o resultado, você saberá se é necessário fazer uma correção do solo com calcário e quais macro e micronutrientes será preciso aportar, como fósforo, potássio, nitrogênio, zinco e boro. A adubação que usamos aqui, toda orgânica naturalmente, é composta basicamente por cama de frango, cinza e pó de rocha, fontes de nitrogênio, fósforo, potásso e outros nutrientes.
3º Passo – Levantar os canteiros e preparar a terra
Com o desenho em mente, é hora de colocar a mão na terra. Levantar os canteiros significa demarcar seus limites, medir largura e comprimento dos caminhos e das faixas onde serão plantadas as mudas e preparar a terra. Em uma área de implementação, o primeiro passo é limpar, capinar e afofar o terreno com uma tobata ou mesmo enxada. O formato do canteiro deve ser levemente abaulado para reter água e manter o adubo no local, concentrando energia no centro. Depois é preciso aplicar os compostos orgânicos e cobrir a terra com material orgânico. Aqui usamos capim roçado e casca de eucalipto para formar essa camada de biomassa que vai sendo decomposto pelos microorganismos e incorporada pela terra , trazendo nutrientes para o solo.
4º Passo – Plantio
Essa é uma das partes mais gostosas do trabalho na horta. Depois que você planejou a horta agroflorestal e preparou a terra, vem a hora de abrir os berços (falamos sempre berços e não covas porque aqui entra vida!). Nessa hora basta ter cuidado e delicadeza com as mudas para fazer os plantios nos espaçamentos planejados
Manejo e rotina
Depois da implementação e do plantio, há uma rotina e um cuidado diário que envolve a capina seletiva, a retirada de plantas invasoras como a tiririca, a poda de árvores para deposição de biomassa no solo, a irrigação, a observação do desenvolvimento das plantas e a própria colheita, o momento mais fascinante para quem planta.